TEXTO 1: I-Juca-Pirama/Canto I
No meio das tabas de amenos verdores,
Cercadas de troncos — cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos
d'altiva nação;
São muitos seus filhos, nos
ânimos fortes,
Temíveis na guerra, que em
densas coortes
Assombram das matas a
imensa extensão.
São rudos, severos,
sedentos de glória,
Já prélios incitam, já
cantam vitória,
Já meigos atendem à voz do cantor:
São todos Timbiras,
guerreiros valentes!
Seu nome lá voa na boca das gentes,
Condão de prodígios, de
glória e terror!
As tribos vizinhas, sem
forças, sem brio,
As armas quebrando,
lançando-as ao rio,
O incenso aspiraram dos seus maracás:
Medrosos das guerras que os
fortes acendem,
Custosos tributos ignavos
lá rendem,
Aos duros guerreiros
sujeitos na paz.
No centro da taba se
estende um terreiro,
Onde ora se aduna o
concílio guerreiro
Da tribo senhora, das tribos servis:
Os velhos sentados praticam d'outrora,
E os moços inquietos, que a festa enamora,.
Derramam-se em torno dum índio infeliz
Quem é? — ninguém sabe: seu
nome é ignoto,
Sua tribo não diz: — de um
povo remoto
Descende por certo — dum
povo gentil;
Assim lá na Grécia ao
escravo insulano
Tornavam distinto do vil
muçulmano
As linhas corretas do nobre
perfil.
Por casos de guerra caiu
prisioneiro
Nas mãos dos Timbiras: — no
extenso terreiro
Assola-se o teto, que o teve em prisão;
Convidam-se as tribos dos
seus arredores,
Cuidosos se incumbem do
vaso das cores,
Dos vários aprestos da
honrosa função.
Acerva-se a lenha da vasta fogueira,
Entesa-se a corda de embira
ligeira,
Adorna-se a maça com penas
gentis:
A custo, entre as vagas do
povo da aldeia
Caminha o Timbira, que a
turba rodeia,
Garboso nas plumas de vário matiz.
Entanto as mulheres com leda trigança,
Afeitas ao rito da bárbara
usança,
O índio já querem cativo
acabar:
coma lhe cortam, os membros
lhe tingem,
Brilhante enduape no corpo
lhe cingem,
Sombreia-lhe a fronte
gentil canitar.
(Gonçalves Dias)
Canto 2: I-Juca-Pirama / Canto IV
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Então, forasteiro,
Caí prisioneiro
De um troço guerreiro
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo Tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Aos golpes do imigo
Meu último amigo,
Sem lar, sem abrigo
Caiu junto a mi!
Com plácido rosto,
Sereno e composto,
O acerbo desgosto
Comigo sofri.
Meu pai a meu lado
Já cego e quebrado,
De penas ralado,
Firmava-se em mi:
Nós ambos, mesquinhos,
Por ínvios caminhos,
Cobertos d'espinhos
Chegamos aqui!
O velho no entanto
Sofrendo já tanto
De fome e quebranto,
Só qu'ria morrer!
Não mais me contenho,
Nas matas me embrenho,
Das frechas que tenho
Me quero valer.
Com que me encontrei:
O cru dessossego
Do pai fraco e cego,
Enquanto não chego,
Qual seja — dizei!
Eu era o seu guia
Na noite sombria,
A só alegria
Que Deus lhe deixou:
Em mim se apoiava,
Em mim se firmava,
Em mim descansava,
Que filho lhe sou.
Ao velho coitado
De penas ralado,
Já cego e quebrado,
Que resta? - Morrer.
Enquanto descreve
O giro tão breve
Da vida que teve,
Deixa-me viver!
Não vil, não ignavo,
Mas forte, mas bravo,
Serei vosso escravo:
Aqui virei ter.
Guerreiros, não coro
Do pranto que choro;
Se a vida deploro,
Também sei morrer.
(Gonçalves Dias)
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TEXTO 3: Canto de Amor III
P'ra ti, formosa, o meu sonhar de louco
E o dom fatal, que desde o berço é meu;
Mas se os cantos da lira
achares pouco,
Pede-me a vida, porque tudo é teu.
Se queres culto - como um
crente adoro,
Vem reclinar-te, como a
flor pendida,
Sobre este peito cuja voz
calei:
Pede-me um beijo... e tu terás, querida,
Toda a paixão que para ti
guardei
Do morto peito vem turbar a
calma,
11 Se queres culto - como
um crente adoro,
Se preito queres - eu te
caio aos pés,
Se rires - rio, se chorares
- choro,
E bebo o pranto que
banhar-te a tez.
Dá-me em teus lábios um
sorrir fagueiro,
E desses olhos um volver, um só;
E verás que meu estro, hoje
rasteiro,
Cantando amores s'erguerá
do pó!
Virgem, terás o que ninguém
te dá;
Em delírios d'amor dou-te a minha alma,
Na terra, a vida, a
eternidade - lá!
(Casimiro de Abreu)
TEXTO 4: A canção do africano
Lá na úmida senzala,
Sentado na estreita sala, Junto ao braseiro,
no chão,
Entoa o escravo o seu
canto,
E ao cantar correm-lhe em
pranto
Saudades do seu torrão ...
De um lado, uma negra
escrava
Os olhos no filho crava,
Que tem no colo a
embalar...
E à meia voz lá responde
Ao canto, e o filhinho
esconde,
Talvez pra não o escutar!
"Minha terra é lá bem
longe,
Das bandas de onde o sol vem;
Esta terra é mais bonita,
Mas à outra eu quero bem!
"0 sol faz lá tudo em fogo,
Faz em brasa toda a areia;
"Lá todos vivem
felizes,
Todos dançam no terreiro;
A gente lá não se vende
Como aqui, só por
dinheiro".
O escravo calou a fala,
Porque na úmida sala
O fogo estava a apagar;
E a escrava acabou seu
canto,
Pra não acordar com o
pranto
O seu filhinho a sonhar!
O escravo então foi
deitar-se,
Pois tinha de levantar-se
Bem antes do sol nascer,
E se tardasse, coitado,
Teria de ser surrado,
Pois bastava escravo ser.
E a cativa desgraçada
Deita seu filho, calada,
Ninguém sabe como é belo
Ver de tarde a papa-ceia!
"Aquelas terras tão
grandes,
Tão compridas como o mar,
Com suas poucas palmeiras
Dão vontade de pensar ...
(Castro Alves)