O desenvolvimento do
Romantismo no Brasil pode ser melhor compreendido em conjunto com o processo de
emancipação política do país, que culminou com a Independência, em 1822. As ideias
que dariam forma ao movimento ganham impulso a partir de 1808, quando a família
real portuguesa se instala no Rio de Janeiro, declara a cidade a nova sede da
monarquia e promove melhorias que transformam o Rio em importante centro
urbano. A fundação de institutos de ensino, bibliotecas, casas tipográficas e,
principalmente, de órgãos de imprensa contribuiu para agilizar a circulação de
informações e a fermentação de ideias no país.
Embora tenha traços próprios,
como a valorização da figura literária do índio, o Romantismo no Brasil é uma
derivação do Romantismo europeu, que começa a tomar forma nos primeiros anos do
século XIX .
Em linhas gerais, o Romantismo
pode ser visto como uma rejeição aos preceitos de ordem, calma, harmonia,
equilíbrio, idealização e racionalidade que eram próprios do Classicismo e do Arcadismo.
Entre as atitudes características estão: apreciação da natureza; exaltação da
emoção em detrimento da razão; foco em seus conflitos interiores; nova visão do
artista como criador individual supremo; ênfase na imaginação como ponto de partida
para experiências transcendentes; interesse pelas origens históricas e
culturais da nação; predileção pelo exótico, estranho, oculto, monstruoso,
doentio e até satânico.
No início do século XIX, o
país assistiu a um fato decisivo para sua independência política e social: a
chegada da corte de D. João VI. Assim que desembarcou no Rio de Janeiro, a
família real adotou medidas para possibilitar a administração à distância.
Entre elas, destacam-se a abertura dos portos, a fundação do Banco do Brasil, a
criação dos tribunais de Finanças e de Justiça, a permissão para o livre
funcionamento de indústrias, a implantação da imprensa. Ocorreram ainda as
fundações da Academia Militar e da Biblioteca Real, com 60 mil volumes, que
está na origem da Biblioteca Nacional. Paralelamente a isso, o florescimento do
cultivo de café deslocava o eixo econômico de Minas Gerais para São Paulo, onde
se concentravam as plantações. O Rio de Janeiro, porto de escoamento do
produto, torna-se também capital literária e cultural do país.
A ascensão da burguesia, a
emergência das profissões liberais e o desenvolvimento da instrução pública
possibilitam a ampliação dos grupos letrados, que aos poucos quebram o
monopólio de poder, até então concentrado nas mãos da aristocracia rural. Com a
ampliação da classe média, o lazer torna-se parte importante do cotidiano da
burguesia, a instrução feminina passa a ser valorizada, a educação melhora,
fundam-se bibliotecas e a imprensa se torna mais atuante nos principais centros
urbanos.
A curiosidade sobre o país,
que então definia suas fronteiras geográficas, também aumenta. O interesse
pelos estudos sobre economia, população, fauna, flora e costumes do país
culmina na fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1838. As
ciências naturais e os estudos históricos também se desenvolvem.
As tipografias e casas
impressoras proliferam, e o livro começa a ser publicado com maior
regularidade, circulando com mais facilidade pelo país. A qualificação do
público e a ampliação dos leitores dão mais popularidade aos escritores que,
pela primeira vez, conhecem o sucesso em vida. Imbuídos de missão
civilizatória, eles atuam na imprensa, na política, na literatura e assumem a
dimensão de figura pública engajada no debate das questões candentes do país.
Política e letras caminham de mãos dadas. O período regencial e as revoltas que
o marcaram, a prosperidade do Segundo Império, a Guerra do Paraguai e a
campanha abolicionista são temas discutidos publicamente, com grande
repercussão sobre a produção literária.
O Romantismo brasileiro deve
ser compreendido em conjunto com o processo de emancipação política. A intenção
de criar uma literatura independente e diferente da portuguesa deveria
equivaler, no plano cultural, ao que a proclamação da independência representou
no plano político. Assim, Portugal deixa de ser a principal referência
literária, função que passa a ser exercida por França e Inglaterra.
Convém ainda ressaltar que o
Romantismo, com letra maiúscula, deve ser diferenciado do romantismo, com
minúscula. O primeiro termo designa o movimento literário. O segundo, um
comportamento social e afetivo sem época determinada.
Os três processos se fazem
presentes nas diferentes fases do Romantismo brasileiro, tradicionalmente
subdividido em três gerações. A primeira seria compreendida entre os anos de
1836, quando se publica o livro Suspiros Poéticos e Saudades, de Gonçalves de
Magalhães (1811 - 1882), e 1852, quando morre Álvares de Azevedo. O segundo
momento teria início a partir da publicação da obra poética desse poeta, em
1853. O ponto de transição para a terceira fase seria o ano de 1870, quando
Castro Alves (1847 - 1871) publica Espumas Flutuantes. Como se vê, a divisão
comumente adotada tem a poesia como parâmetro. No campo da prosa literária e da
crônica jornalística, os marcos são menos nítidos. Para fins didáticos e
cronológicos, no entanto, procurou-se respeitar essa divisão para os verbetes
que tratam das três gerações do Romantismo. Portanto, no Brasil, o Romantismo
durou de 1836 a 1881, teve três gerações poéticas e quatro tendências de prosa
ficcional. Também contou com obras de teatro, incluindo a de Martins Pena, com
suas comédias de costume.
POESIA:
Primeira geração: marcada por forte sentimento nacionalista e
religioso, tem como principal característica o ufanismo e a exaltação da
natureza pátria. Entre seus principais representantes destacam-se Gonçalves de
Magalhães (1811 - 1882) - autor de Suspiros poéticos e saudades, obra que dá
início ao Romantismo no Brasil - e Gonçalves Dias (1823 - 1864) - autor da Canção
do Exílio e de Os timbiras.
Canção
do exílio
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar –sozinho, à noite–
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
De
Primeiros cantos (1847) -Gonçalves Dias
Segunda geração: influenciada por Lorde Byron (1788 - 1824), ícone
do romantismo europeu, notabilizou-se por sua obsessão pela morte e associação
ao “mal do século”. Entre seus principais poetas, encontram-se Álvares de
Azevedo (1831 - 1852), autor da Lira dos vinte anos, Casimiro de Abreu (1837 -
1860), autor do poema Meus oito anos, e Fagundes Varela (1841 - 1875),
conhecido por seu Cântico do calvário, escrito para o filho falecido
prematuramente.
Meus
Oito Anos
Oh ! que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais !
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais !
Como são belos os dias
Do despontar da existência !
– Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor !
Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar !
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar !
Oh ! dias de minha infância !
Oh ! meu céu de primavera !
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã !
Em vez de mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã !
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
De camisa aberta ao peito,
– Pés descalços, braços nus -
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis !
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo,
E despertava a cantar !
Oh ! que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais !
– Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais !
Casimiro
de Abreu, “As Primaveras”, publicado em
1859.
Lembrança
de morrer
Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nenhuma lágrima
Em pálpebra demente.
E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.
Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro,
– Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;
Como o desterro de minh’alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade – é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.
Só levo uma saudade – é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas…
De ti, ó minha mãe, pobre coitada,
Que por minha tristeza te definhas!
De meu pai… de meus únicos amigos,
Pouco - bem poucos – e que não zombavam
Quando, em noites de febre endoudecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.
Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei… que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!
Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores…
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.
Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo…
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!
Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
Foi poeta - sonhou - e amou na vida.
Sombras do vale, noites da montanha
Que minha alma cantou e amava tanto,
Protegei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe canto!
Mas quando preludia ave d’aurora
E quando à meia-noite o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos…
Deixai a lua pratear-me a lousa!
Lira dos
20 anos, Álvares Azevedo, (1853)
Terceira geração: fortemente influenciada pelo francês Victor Hugo
(1802 - 1885), tem tendência libertária e engajada, o que se confirma na
produção do poeta baiano Castro Alves (1847 - 1871), conhecido como “poeta dos
escravos”. Republicano e abolicionista, Alves deixou obras primas como Espumas
flutuantes e Navio negreiro.
O
Navio Negreiro
(Tragédia
no mar)
I
'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...
'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...
'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...
Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.
Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!
Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!
Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!
Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia,
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
..........................................................
Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!
Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.
II
Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.
Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
— Terra de amor e traição,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcão!
O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando, orgulhoso, histórias
De Nelson e de Aboukir.. .
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!
Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu...
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu!...
III
Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais ... inda mais... não pode olhar
humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro
d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras!
...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus!
Que horror!
IV
Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."
E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...
V
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...
São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão...
São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.
Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
...Adeus, ó choça do monte,
...Adeus, palmeiras da fonte!...
...Adeus, amores... adeus!...
Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p'ra não mais s'erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.
Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...
Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...
VI
Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto!...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
Castro
Alves, São Paulo, 18 de abril de 1869.
PROSA:
A prosa romântica brasileira
nasceu de um ambicioso projeto literário que visava traçar um panorama da
história e da cultura do país. Seu principal expoente é o romancista cearense
José de Alencar (1829 - 1877), que descreveu a sociedade através de romances
históricos, indianistas, regionalistas e urbanos.
Nos romances urbanos ele
abordou conflitos sobre posição social, dinheiro e amor. Destaca-se o romance
Senhora, que trata do conflito entre o amor e o dinheiro. A protagonista,
Aurélia, é um dos tipos mais marcantes da obra do escritor. Outros romances
urbanos de Alencar são Lucíola, Cinco Minutos, A Pata da Gazela, A Viuvinha e
Diva.
Outras vertentes exploradas
pelo autor são os romances históricos e os
romances indianistas. Um exemplo
de romance histórico escrito por Alencar é A Guerra dos Mascates, sobre o
confronto entre brasileiros e europeus em Pernambuco. Os romances indianistas
são: Iracema, Ubirajara e O Guarani.
José de Alencar também criou romances
regionalistas. O Gaúcho tem como cenário
os pampas, enquanto O Sertanejo se passa em terras nordestinas. À maneira do
que ocorre com seus romances indianistas, Alencar idealiza os heróis nessas
obras, aproximando-os de cavaleiros medievais honrados e virtuosos.
Além de Alencar, destacam-se
Joaquim Manoel de Macedo (1820 - 1882), autor de A Moreninha, com seus romances
repletos de estereótipos, e Manuel Antônio de Almeida (1831 - 1861), autor de
Memórias de um Sargento de Milícias, cujas narrativas retratam os costumes de
uma época.
Atividades
1 O trecho a seguir é parte do poema “Mocidade e morte”,
do poeta romântico Castro Alves:
Oh! eu quero viver, beber perfumes
Na flor silvestre, que embalsama os ares;
Ver minh'alma adejar pelo infinito,
Qual branca vela n'amplidão dos mares.
No seio da mulher há tanto aroma...
Nos seus beijos de fogo há tanta vida...
–– Árabe errante, vou dormir à tarde
À sombra fresca da palmeira erguida.
Mas uma voz responde-me sombria:
Terás o sono sob a lájea fria.
ALVES, Castro
Esse poema, como o próprio título sugere, aborda o
inconformismo do poeta com a antevisão da morte prematura, ainda na juventude.
A imagem da morte aparece na palavra:
(A) embalsama.
(B) infinito.
(C) amplidão.
(D) dormir.
(E) sono.
2. O retorno à Idade Média foi, em Portugal, manifestação
de uma característica do Romantismo.
a) Que característica foi essa?
b) Qual a manifestação correspondente no Romantismo
brasileiro?
3.O texto abaixo apresenta, basicamente, três partes: a
realidade, o sonho e a realidade novamente. Aponte o início e o fim de cada uma
das partes. Compare as duas partes relativas à realidade com a parte relativa
ao sonho.
Oh! ter vinte anos sem gozar de leve
A ventura de uma alma de donzela!
E sem na vida ter sentido nunca
Na suave atração de um róseo corpo
Meus olhos turvos se fechar de gozo!
Oh! nos meus sonhos, pelas noites minhas
Passam tantas visões sobre meu peito!
Palor de febre meu semblante cobre,
Bate meu coração com tanto fogo!
Um doce nome os lábios meus suspiram,
Um nome de mulher... e vejo lânguida
No véu suave de amorosas sombras
Seminua, abatida, a mão no seio,
Perfumada visão romper a nuvem,
Sentar-se junto a mim, nas minhas pálpebras
O alento fresco e leve como a vida
Passar delicioso... Que delírios!
Acordo palpitante... inda a procuro:
Embalde a chamo, embalde as minhas lágrimas
Banham meus olhos, e suspiro e gemo...
Imploro uma ilusão... tudo é silêncio!
Só o leito deserto, a sala muda!
Amorosa visão, mulher dos sonhos,
Eu sou tão infeliz, eu sofro tanto!
Nunca virás iluminar meu peito
Com um raio de luz desses teus olhos?
4. (FUVEST-SP)
I.Pálida à luz da lâmpada sombria
Sobre o leito de flores reclinada
Como a lua por noite embalsamada
Entre as nuvens do amor ela dormia!
II.Uma noite, eu me lembro... ela dormia
Numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão... solto o cabelo
E o pé descalço no tapete rente.
Os dois textos apresentam diferentes concepções da figura
da mulher. Se ambos os textos são românticos, como explicar a diferença no
tratamento do tema? Apontar nos dois textos situações contrastantes que revelam
essas diferentes concepções.
5. Cite um fato histórico que influenciou o Romantismo.
6. O romantismo está relacionado com o surgimento de um
novo público leitor. Qual?
7. Leia o texto de Álvares de Azevedo a seguir e responda
as questões propostas:
Idéias Íntimas (fragmentos)
“Parece-me que vou perdendo o gosto
(...) Passo as noites aqui e os dias longos;
Dei-me agora ao charuto em corpo e alma;
(...) Meu pobre leito! Eu amo-te contudo!
Aqui levei sonhando noites belas;
As longas horas olvidei libando
Ardentes gotas de licor doirado,
Esqueci-as no fumo, na leitura
Das páginas lascivas do romance...
Meu leito juvenil, da minha vida
És a página d’oiro. Em teu asilo
Eu sonho-me poeta, e sou ditoso,
E a mente errante devaneia em mundos
Que esmalta a fantasia! Oh! Quantas vezes
Do levante sol entre odaliscas
Momentos não passei que valem vidas!
Quanta música ouvi que me encantava!
Quantas virgens amei!(...)
Ó meus sonhos de amor e mocidade,
Por que ser tão formosos, se devíeis
Me abandonar tão cedo... e eu acordava
Arquejando a beijar meu travesseiro?
Parece que chorei... Sinto na face
Uma perdida lágrima rolando...
Satã leve a tristeza! Olá, meu pajem,
Derrama no meu copo as gotas últimas
Dessa garrafa negra...
(...) E no cérebro passam delirosos
Assomos de poesia... Dentre a sombra
Vejo num leito d’oiro a imagem dela
Palpitante, que dorme e que suspira,
Que seus braços me estende...
Eu me esquecia:
Faz-se noite; traz fogo e dois charutos
E na mesa do estudo acende a lâmpada...”
a) Destaque os versos do poema que, ironicamente,
destroem a idealização amorosa.
b) Pode-se entender, por meio da última estrofe do poema,
que a viagem foi encerrada? Por quê?
c) Que tipo de visão o eu lírico tem quando sob os
efeitos do álcool?
d) De que modo o eu lírico tornava as “longas horas” menos dolorosas?
e) Que sonhos criava quando se encontrava no leito?
8. Leia o texto e assinale falsa ou verdadeira.
“Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
- Foi poeta – sonhou – e amou na vida.”
a) os versos fazem parte de um longo poema de Gregório de
Matos.
b) Mostram como Álvares de Azevedo foi marcado pelo tema
da morte e da solidão.
c) São típicos da poesia Pau Brasil.
d) Definem o poeta tal qual o concebia o Realismo.
e) São típicos do Mal do Século.
9. “Pálida, à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!
Era a virgem do mar! Na escuma fria
Pela maré das águas embaladas!
Era um anjo entre nuvens d’alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!”
a) transcreva as expressões que mergulhem a mulher num
mundo irreal, idealizado e distante.
10. No poema do exercício anterior , observamos que a
mulher aparece frequentemente na poesia de Álvares de Azevedo como figura:
a) sensual
b) concreta
c) próxima
d) natural
e) inacessível
11. “Ó guerreiros da Tribo Tupi
Ó guerreiros, meus cantos ouvi.”
A geração da poesia romântica aí representada é:
a) pré-romântica
b) social
c) indianista
d) mal do século
e) ultra-romântica
12. Assinale o contexto histórico do período do
romantismo:
a) Iluminismo
b) Revolução Francesa
c) Inconfidência Mineira
d) Impeachment do Collor
e) Descobrimento do Brasil
13. O Romantismo está relacionado com o surgimento de um
novo público leitor. Qual é essa classe?
a) burguesia
b) senhores feudais
c) nobreza
d) escravo
e) fazendeiro
14. Marque a alternativa que não caracteriza a estética
romântica:
a) subjetivismo
b) primado do sentimento
c) culto à natureza
d) pessimismo
e) objetivismo
15. A impossibilidade de realizar o sonho absoluto do Eu
gera inquietude, desespero, frustração, que levam às vezes ao suicídio,
refletindo a evasão na morte, solução definitiva para o:
a) culto ao real
b) nacionalismo
c) culto ao fantástico
d) mal do século
e) indianismo
16. “Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá.”
O fragmento acima, de um poema de Gonçalves Dias
caracteriza o:
a) nacionalismo
b) mal do século
c) culto ao fantástico
d) pessimismo
e) fantasmagórico
17. Sobre o Romantismo brasileiro é correto afirmar que:
a) teve como obra inicial Iracema, de José de Alencar
b) trata da temática sagrado X profano
c) tem como contexto histórico o Iluminismo
d) de modo geral, os poetas têm uma visão da mulher de
forma real, não idealizada
e) em sua segunda fase, apresentou poetas cuja inclinação
para o mistério e a morte os colocava sobre o clima do “mal do século”
18. Assinale a alternativa em que se encontram
características do movimento literário ao qual se dá o nome de Romantismo:
a) predomínio da razão
b) busca de temas nacionais, sentimentalismo e imaginação
c) arte pela arte
d) desejo de expressar a realidade objetiva
e) imitação dos antigos gregos e romanos
Leia o poema abaixo para responder as questões 19, 20,
21, 22, 23, 24, 25 e 26.
Canção do Exílio
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso Céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
(Gonçalves Dias)
Portugal, julho de 1843.
19. Explique o título do poema
20. Esse poema ilustra uma característica básica do
Romantismo. Qual? Justifique sua resposta com fragmentos do poema.
Observe agora que o poema está organizado a partir da
oposição entre dois espaços; a pátria – com os elementos que a caracterizam – e
o exílio.
21.Que palavras do texto evidenciam essa antítese?
22.Como é cada um desses espaços para o eu lírico?
23.Que sentimentos ele manifesta em relação à pátria?
24.Esses sentimentos são expressos sobretudo em relação à
natureza brasileira: palmeiras, sabiá, bosques e etc. o eu lírico é objetivo e
imparcial ao descrever essa natureza? Por quê?
25. Onde é lá? E cá?
26.O Nativismo significa a presença, nos textos
literários, de alguns vestígios da natureza ou da vida social do Brasil.
Nacionalismo, por sua vez, é um conceito mais amplo, porque envolve a idéia de
nação, povo e de uma identidade cultural que os represente. Você acha que o
poema de Gonçalves Dias é nativista ou nacionalista? Justifique.
27. Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
- Foi poeta – sonhou - e amou na vida.
Assinale Falsa ou Verdadeira:
a)Os versos fazem parte de um longo poema de Gregório de
Matos.
b)Mostram como Álvares de Azevedo foi marcado pelo tema
da morte e da solidão.
c)Definem o poeta tal qual o concebia o Realismo.
d)São típicos da poesia Pau-Brasil.
e)São típicos do Mal do Século.
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