quarta-feira, 18 de março de 2015

A Poesia Romântica




TEXTO 1: I-Juca-Pirama/Canto I
 No meio das tabas de amenos verdores,
 Cercadas de troncos — cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos d'altiva nação;
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,
Temíveis na guerra, que em densas coortes
Assombram das matas a imensa extensão.
São rudos, severos, sedentos de glória,
Já prélios incitam, já cantam vitória,
 Já meigos atendem à voz do cantor:
São todos Timbiras, guerreiros valentes!
 Seu nome lá voa na boca das gentes,
Condão de prodígios, de glória e terror!
As tribos vizinhas, sem forças, sem brio,
As armas quebrando, lançando-as ao rio,
 O incenso aspiraram dos seus maracás:
Medrosos das guerras que os fortes acendem,
Custosos tributos ignavos lá rendem,
Aos duros guerreiros sujeitos na paz.
No centro da taba se estende um terreiro,
Onde ora se aduna o concílio guerreiro
 Da tribo senhora, das tribos servis:
 Os velhos sentados praticam d'outrora,
 E os moços inquietos, que a festa enamora,.
 Derramam-se em torno dum índio infeliz
Quem é? — ninguém sabe: seu nome é ignoto,
Sua tribo não diz: — de um povo remoto
Descende por certo — dum povo gentil;
Assim lá na Grécia ao escravo insulano
Tornavam distinto do vil muçulmano
As linhas corretas do nobre perfil.
Por casos de guerra caiu prisioneiro
Nas mãos dos Timbiras: — no extenso terreiro
 Assola-se o teto, que o teve em prisão;
Convidam-se as tribos dos seus arredores,
Cuidosos se incumbem do vaso das cores,
Dos vários aprestos da honrosa função.
 Acerva-se a lenha da vasta fogueira,
Entesa-se a corda de embira ligeira,
Adorna-se a maça com penas gentis:
A custo, entre as vagas do povo da aldeia
Caminha o Timbira, que a turba rodeia,
 Garboso nas plumas de vário matiz.
 Entanto as mulheres com leda trigança,
Afeitas ao rito da bárbara usança,
O índio já querem cativo acabar:
coma lhe cortam, os membros lhe tingem,
Brilhante enduape no corpo lhe cingem,
Sombreia-lhe a fronte gentil canitar.
(Gonçalves Dias)

Canto 2: I-Juca-Pirama / Canto IV
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
 Então, forasteiro,
Caí prisioneiro
De um troço guerreiro
Sou filho das selvas,
 Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo Tupi.
 Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
 Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
 Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Aos golpes do imigo
 Meu último amigo,
Sem lar, sem abrigo
Caiu junto a mi!
Com plácido rosto,
Sereno e composto,
O acerbo desgosto
Comigo sofri.
Meu pai a meu lado
 Já cego e quebrado,
De penas ralado,
Firmava-se em mi:
Nós ambos, mesquinhos,
Por ínvios caminhos,
Cobertos d'espinhos
 Chegamos aqui!
 O velho no entanto
Sofrendo já tanto
De fome e quebranto,
Só qu'ria morrer!
Não mais me contenho,
Nas matas me embrenho,
 Das frechas que tenho
Me quero valer.
Com que me encontrei:
O cru dessossego
Do pai fraco e cego,
Enquanto não chego,
Qual seja — dizei!
Eu era o seu guia
 Na noite sombria,
A só alegria
Que Deus lhe deixou:
Em mim se apoiava,
Em mim se firmava,
Em mim descansava,
Que filho lhe sou.
Ao velho coitado
De penas ralado,
 Já cego e quebrado,
Que resta? - Morrer.
Enquanto descreve
O giro tão breve
Da vida que teve,
 Deixa-me viver!
 Não vil, não ignavo,
Mas forte, mas bravo,
Serei vosso escravo:
 Aqui virei ter.
Guerreiros, não coro
Do pranto que choro;
Se a vida deploro,
 Também sei morrer.
(Gonçalves Dias)
.
TEXTO 3: Canto de Amor III
 P'ra ti, formosa, o meu sonhar de louco
 E o dom fatal, que desde o berço é meu;
Mas se os cantos da lira achares pouco,
 Pede-me a vida, porque tudo é teu.
Se queres culto - como um crente adoro,
Vem reclinar-te, como a flor pendida,
Sobre este peito cuja voz calei:
 Pede-me um beijo... e tu terás, querida,
Toda a paixão que para ti guardei
Do morto peito vem turbar a calma,
11 Se queres culto - como um crente adoro,
Se preito queres - eu te caio aos pés,
Se rires - rio, se chorares - choro,
E bebo o pranto que banhar-te a tez.
Dá-me em teus lábios um sorrir fagueiro,
 E desses olhos um volver, um só;
E verás que meu estro, hoje rasteiro,
Cantando amores s'erguerá do pó!
Virgem, terás o que ninguém te dá;
 Em delírios d'amor dou-te a minha alma,
Na terra, a vida, a eternidade - lá!
(Casimiro de Abreu)

TEXTO 4: A canção do africano
Lá na úmida senzala,
 Sentado na estreita sala, Junto ao braseiro, no chão,
Entoa o escravo o seu canto,
E ao cantar correm-lhe em pranto
Saudades do seu torrão ...
De um lado, uma negra escrava
Os olhos no filho crava,
Que tem no colo a embalar...
E à meia voz lá responde
Ao canto, e o filhinho esconde,
 Talvez pra não o escutar!
"Minha terra é lá bem longe,
 Das bandas de onde o sol vem;
Esta terra é mais bonita,
Mas à outra eu quero bem!
 "0 sol faz lá tudo em fogo,
Faz em brasa toda a areia;
"Lá todos vivem felizes,
Todos dançam no terreiro;
 A gente lá não se vende
Como aqui, só por dinheiro".
O escravo calou a fala,
Porque na úmida sala
O fogo estava a apagar;
E a escrava acabou seu canto,
Pra não acordar com o pranto
O seu filhinho a sonhar!
O escravo então foi deitar-se,
Pois tinha de levantar-se
Bem antes do sol nascer,
E se tardasse, coitado,
Teria de ser surrado,
Pois bastava escravo ser.
E a cativa desgraçada
Deita seu filho, calada,
 Ninguém sabe como é belo
 Ver de tarde a papa-ceia!
"Aquelas terras tão grandes,
Tão compridas como o mar,
 Com suas poucas palmeiras
Dão vontade de pensar ...
(Castro Alves)


Nenhum comentário:

Postar um comentário