Era uma vez uma anã pré-fabricada. Tinha cinquenta centímetros de altura. Os pais eram pessoas normais. A anã era anã porque desde pequena o pai batia com a marreta na cabeça dela. Ele batia, e dizia: "Diminua, filhinha". O sonho do pai era ter uma filha que trabalhasse no circo. E se ele conseguisse uma anã, o circo aceitaria.
Assim, a menina não cresceu. Tinha as pernas tortas, a cabeça plana como mesa, os olhos esbugalhados. Um globo, com as marretadas, chegara a sair. E deste modo o olho andava dependurado pelos nervos. Com o olho caído, a menina enxergava o chão - e enxergava bem. Por isso, nunca deu topadas.
A menina diminuiu, entrou para a escola, se diplomou. E o pai esperando que o circo viesse para a cidade. A anã teve poucos namorados na sua vida. Os moços da cidade não gostavam de sua cabeça plana como mesa. Um dos namorados foi um mudo; o outro, um cego.
Com o passar do tempo, o pai ia ensinando à filha anã os truques do circo: andar na corda bamba, atirar facas, equilibrar pratos na ponta de varas, equilibrar bolas, andar sobre roletes, fazer exercícios na barra, pular através de um arco de fogo, cair ao chão (fazendo graça) sem se machucar, ficar de pé no dorso de cavalos.
De vez em quando, o pai emprestava a filha ao padre, por causa da quermesse. Ela substituía o coelho nos jogos de sorteio. Havia uma porção de casinhas dispostas em círculo. Cada casinha tinha um número. A um sinal do quermesseiro, a menina corria e entrava na casinha. Quem tivesse aquele número ganhava a prenda. A anã não gostava da quermesse porque se cansava muito e também porque no dia seguinte ficava triste, com o pessoal que tinha perdido. Eles a seguiam pela rua, gritando: "Aí, baixinha,..., por que não entrou no meu número?".
Um dia, o circo chegou à cidade, com lona colorida, um elefante inteirinho rosa, uma onça pintada, palhaços, cartazes e uma trapezista gorda que vivia caindo na rede. O pai mandou fazer para a anã um vestido de cetim vermelho, com cinto verde. Comprou um sapato preto e meias três-quartos. Levou a filha ao circo. Ela mostrou tudo o que sabia, mas o diretor disse que faziam aquilo: andavam no arame, na corda bamba, equilibravam coisas, pulavam através de arcos de fogo, andavam no dorso de cavalos. Só havia uma vaga, mas esta ele não queria dar para a menina, porque estava achando a anã muito bonitinha. Mas o pai insistiu e a anã também. Ela estava cansada da vida da cidadezinha, onde o povo só via televisão o tempo inteiro. E o dono do circo disse que o lugar era dela: a anã seria comida pelo leão, porque andava uma falta de carne tremenda. E, assim, no dia seguinte, às seis horas, a menina tomou banho, passou perfume Royal Briar, jantou, colocou seu vestido vermelho, de cinto verde, uma rosa na cabeça e partiu contente para o emprego.
(Ignácio de Loyola Brandão)
ESTUDO DO TEXTO
1.Os contos do Realismo Fantástico mesclam elementos reais e fatos absurdos ou inexplicáveis no mundo real. O que, nesse conto, faz parte da realidade que conhecemos? O que pode ser considerado fato absurdo?
2.Observe que o conto é bastante visual, é possível imaginar, por exemplo, a aparência da anã.
a) Que técnica permite que a imagem da anã se forme para o leitor?
b) Que impressão causa a imagem da anã?
3. Note que o início do conto, “era uma vez uma anã pré-fabricada”, cria uma certa expectativa no leitor. A que remete a expressão “era uma vez”?
4.O final do conto cumpre a expectativa inicial? Explique.
5.É possível que o conto fantástico constitua uma alegoria? Ao falar do pai que marreta a filha, pode-se estar dizendo outra coisa, defendendo-se uma idéia do mundo real. Que idéia pode ser essa? Levante algumas hipóteses.
6.Uma possível leitura para esse conto pode ser feita a partir das seguintes relações:
Anã= crianças, jovens, estudantes, alunos
Pai= pais, professores, escola, instituições de ensino
Marreta= ensino-aprendizagem, educação
Circo= sociedade, mundo Leão= sistema, estrutura social
Se considerarmos essas relações, podemos questionar:
a)O pai (professores, escola) estava preparando a filha (alunos, estudantes) para o “circo” (sociedade, mundo) real ou ideal? Que diferenças existem entre esses dois “circos”?
b)Alguém da sociedade em que viviam, enxergava a “marreta” (ensino-aprendizagem) como algo danoso, prejudicial ou absurdo?
c)O pai pode ser caracterizado como um personagem mal-intencionado? Explique.
d)Observe que o conto faz referências à sociedade em que vivem a anã e seu pai: o povo que “só via televisão o tempo inteiro”. Que importância possui essa referência para o contexto do conto?
e)Releia: “com o olho caído, a menina enxergava o chão – e enxergava bem. Por isso, nunca deu topadas”. Que “recado” pode estar nas entrelinhas dessa afirmação? Comente com seu professor e colegas.
f)As poucas pessoas que se aproximaram da anã – os namorados – não poderiam ter mudado a situação dela? Explique.
g)Não havia vagas na sociedade real. Qual é o destino, então, da anã (estudante, jovem) já formada?
PRODUÇÃO DE TEXTO
Releia o final do conto. Afirma-se, com todas as letras, que a anã foi, de fato, devorada pelo leão? Não, o que se diz foi que a anã partiu contente para o emprego. A proposta é que você escreva o final desse conto decidindo qual foi o destino da anã. Considerem, para isso, o perfil da anã e todas as analogias feitas.
Ana, o conto e os exercícios foram retirados do livro de Português para o Ensino Médio, da Editora Ibep, 1a. edição de 2004.
ResponderExcluirAs atividades foram criadas pela autora do livro, Heloisa Harue Takazaki e o conto é do Ignácio de Loyola Brandão.
Por favor, dê os devidos créditos e solicite à Editora autorização para uso.
Esse material tem direitos reservados e você pode vir a sofrer processo por uso indevido de material protegido por direito autoral.
vocês poderiam, ao menos, citar a fonte de onde tiraram essas atividades (o livro da Heloísa Harue Takazaki). Sem citá-lo, isso parece plágio, né?
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