quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Reflexão: O que é um clássico?

O termo clássico surgiu derivado do adjetivo latino classicus, que indicava o cidadão pertencente às classes mais elevadas de Roma. No século II d.C. um certo Aulo Gelio (Noctes Atticae) utilizou-o para designar o escritor que por suas qualidades literárias poderia ser considerado modelar em seu ofício: "Classicus scriptor, non proletarius."
Durante o Renascimento, o termo clássico reapareceria, seja em textos latinos, seja nas línguas vernáculas, referindo-se tanto a autores greco-latinos quanto a autores modernos da própria época, considerados modelos de linguagem literária na língua vernácula.
No século XVIII - o termo se estenderia aos autores que aceitavam os cânones da retórica greco-latina: ordem - clareza - medida - equilíbrio - decoro - harmonia e bom gosto.
Tornou-se, pois, a base de uma estética essencialmente normativa. Assim, clássico indicando modelo exemplar cristalizou-se como tradição, como cânone gramatical e semântico, como relicário do idioma e como um conjunto de regras imutáveis, isto é, universais e ahistóricas. No plano da mensagem, o que valia para caracterizar um clássico era a sua dimensão edificante, seus componentes morais e a sua capacidade de apresentar as paixões humanas de forma decorosa.
No século XIX, a grande rebelião romântica começou a destruir a rigidez conservadora que envolvia a idéia de uma obra clássica. Victor Hugo mandou as regras às favas, abrindo um caminho mais liberto para a criação literária. Contudo, foram as vanguardas das primeiras décadas do século XX - especialmente Futurismo e Dadaismo - que levaram a ruptura com o classicismo às ultimas conseqüências, propondo, a exemplo de Marinetti, a destruição de bibliotecas, museus e tudo aquilo que representasse o "peso vetusto da tradição".
Passado o furor das vanguardas, o que ficou? No plano do senso comum, clássico hoje indica uma obra artística superior, definitiva e que, por seus vários elementos estético-ideológicos, aproxima-se daquilo que (de forma mais ou menos nebulosa) chamaríamos de perfeição. Porém esta obra não tem mais o sentido normativo que possuía no passado já que sua beleza lhe é irredutivelmente própria. Verdade que, nas escolas, a reverência exagerada aos clássicos - sobretudo aos da Antigüidade - veio até a década de 1960, ao ponto de muitos de nós, professores, termos sido torturados, nas aulas de língua portuguesa, com a análise sintática de Os Lusíadas.
As sucessivas mudanças culturais, corridas no Ocidente, especialmente a partir dos anos de 1960, quebraram toda e qualquer idéia de obra modelar e instauraram um conceito mais amplo e flexível do que seria um clássico.
O que delimita um clássico?
Esquematicamente poderíamos apontar alguns traços definidores do que hoje se considera um texto clássico:

1. São obras que ultrapassam o seu tempo, persistindo de alguma maneira na memória coletiva e sendo atualizada por sucessivas leituras, no transcurso da história.

2. Apresentam paixões humanas de maneira intensa, original e múltipla. São paixões universais (ou pelo menos "ocidentais") e têm um grau de maior ou menor flexibilidade em relação à historicidade concreta.

3. São obras que registram e simultaneamente inventam a complexidade de seu tempo. De maneira explícita ou implícita desvelam a historicidade concreta, as idéias e os sentimentos de uma época determinada. Há uma tendência geral: quanto mais explícita for a revelação histórica, menor o resultado estético. Na verdade, o espírito da época deve estar introjectada na experiência dos indivíduos.

4. São obras que criam formas de expressão inusitadas, originais e de grande repercussão na própria história literária. Há clássicos que interessam em especial (ou talvez unicamente) ao mundo literário, como, por exemplo, o Ulisses, de Joyce.

5. São obras de reconhecido valor histórico ou documental, mesmo não alcançando a universalidade inconteste. Nesta linha situam-se aquelas obra que são clássicas apenas na dimensão da história literária de um país, como por exemplo, a obra de José de Alencar, ou apenas de uma região, como por exemplo as obras de Cyro Martins ou Aureliano de Figueiredo Pinto.

6. Talvez a característica fundamental de uma obra clássica seja a sua inesgotabilidade. Ou como diz Calvino: "Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer".
7. Um clássico é fundamental também pelo efeito que deflagra na consciência do leitor. Sob esta ótica, devemos considerar que ele é, simultaneamente:

• Forma única de conhecimento - transmite paixões humanas oriundas de um patrimônio universal (que é a experiência do homem);

• Utilização da linguagem de uma maneira exemplar, original e inesperada;

• Um conjunto de revelações, idéias e sentimentos que têm a propriedade de durar na memória mais do que outras manifestações artísticas (música, cinema, etc.) Estas podem ter (e geralmente têm) um impacto maior na hora da fruição, mas seu prolongamento emotivo - a sua duração - é mais breve e inconsistente do que o proporcionado pela grande obra literária.

• Um não contra a morte. Por perdurar, a obra clássica ultrapassa o tempo e a finitude humana. De uma certa forma, é um protesto contra o sem sentido da vida.
Bibliografia:
Calvino, Italo. Por que ler os clássicos. São Paulo, Companhia das Letras, 1993.

Um comentário:

  1. EU SOU FÃ DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE EU PREFIRO TER UMA COLEÇÃO DOS LIVROS DE DRUMMOND DO QUE LER OUTROS LIVROS QUE Ñ TEM NADA A VER COM POEMA E POESIA IGUALÁVEL A DE DRUMMOND

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